Ouro de tolo?
A navegação rápida pela internet pode alterar o funcionamento do cérebro humano?
Além de transformar a forma de viver das pessoas, a navegação pela internet está alterando o funcionamento do cérebro? Gary Small, neurocientista, investigador da Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA) diz que o cérebro humano é muito sensitivo a mudanças, como as provocações pelas tecnologias de informação. Em entrevista à sucursal da agência Reuters na Austrália, Small destacou que a maleabilidade é própria da dinâmica do cérebro humano no processo evolutivo. “O cérebro é o único órgão do corpo humano que ainda não concluiu a evolução”, afirma também o professor brasileiro Jorge Alberto da Costa e Silva, psiquiatra, diretor do Instituto Brasileiro do Cérebro (INBRACER) e vice-presidente da Academia Nacional de Medicina e membro vitalício da Academia Brasileira de Filosofia. “Assim como o universo, o cérebro, também é um sistema em evolução. Ele abriga a consciência e a autoconsciência. Essa vida psíquica consciente é o que nos faz entender o universo, buscando o nosso papel dentro dele e nos colocando em sintonia com seu movimento evolutivo”, completa Costa e Silva. Dessa forma o processo rápido de apreensão de informação seria o nocivo ao raciocínio complexo? “O Google está nos tornado idiotas”? Quem faz a pergunta é o ensaísta norte-americano Nicholas Carr no título de um provocador artigo publicado na revista The Atlantic no ano passado. Especialista em tecnologias de comunicação e assessor da Enciclopédia Britânica, Carr acredita que a forma de receber e processar conteúdos está transformando o cérebro humano “em massa de panqueca” – plana e esticada por informações, mas sem nenhuma profundidade. Ele afirma que não pesa mais como antes, especialmente quando lê livros. Antes podia virar páginas durante horas, agora mal ultrapassa alguns parágrafos e logo perde a concentração, procurando outra coisa para fazer. “A leitura profunda que ocorria de forma natural se transformou em um esforço”, lamenta. A internet tornou-se principal canal de informação para muitas pessoas, que dedicam cada vez mais tempo à navegação para ver notícias, correio eletrônico, consultar enciclopédias, mapas, conversar por chats, etc. Para Carr, a informação de forma rápida e fracionada é “ameaça potencial à redução da capacidade de concentração, reflexão e contemplação”. “Carr tem razão, mas só em parte. Podemos, sim, nos acostumar a conseguir respostas ‘pré-digeridas’ e funcionar desse jeito. Porém, nem sempre a informação que se encontra no Google é pré-digerida ou superficial. Ele fornece acesso aos sites de busca de toda a bibliografia cientifica do mundo”, avalia o neurocientista argentino radicado no Brasil Ivan Izquierdo, professor da PUC-Rio Grande do Sul e pesquisador na área de fisiologia da memória. “Nunca foi tão grande a possibilidade de acessar essa informação como agora. É privilégio de cada um ir a esses artigos completos e lê-los, ou não”, conclui ele. O neurocientista Gary Small cita, na entrevista à Reuters, um estudo conduzido com 24 adultos que demonstrou que os usuários mais experientes da web tiveram o dobro de atividade cerebral, nas áreas que controlam a tomada de decisões e o raciocínio complexo, do que aqueles que estavam apenas começando a navegar na internet. Os neurocientistas afirmam que todas as atividades mentais influem em um nível biológico no cérebro.
“Temos duas tendências, algo era melhor no passado, mas hoje a internet e o Google podem dar informação de maior qualidade em tempo mais rápido. O problema é que a internet coloca tudo de forma incompleta para aquilo que você deseja. Então, você clica, clica, clica, procura, procura, mas, no fundo, não procura nada”, afirma o neurocientista Martin Cammarota, vice-diretor do Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontíficia Universidade Católica de Porto Alegre. Para Costa e Silva, o acesso à internet apenas como atividade lúdica a transforma num cassino. “Mas se a utilizarmos para obter informações atualizadas e refletir sobre tudo, melhoraremos a capacidade de pensar. Sou um leitor compulsivo, tenho computador, Blackberry, iPhone, iBook com 3 mil livros baixados, mas continuo apaixonado por livro. Quando quero ler um romance, quero tocar, cheirar e riscar a folha impressa. Mas para me informar sobre ciência ou notícias, eu me atualizo on-line”, revelou Costa Silva.
O próprio Nicholas Carr afirma no artigo que não quer ser “ranzinza” com as novas tecnologias de informação. Inclusive cita a passagem do livro Platos Phaedrus, em que o filósofo Sócrates lamenta o desenvolvimento da escrita. Ele temia que as pessoas, se passassem a confiar na palavra escrita como substituta do conhecimento que tinham na mente, deixariam de exercitar a memória. O filósofo também achava que o conhecimento sem preceptoria não era sabedoria. “Sócrates acertou em parte, mas teve visão curta ao não perceber que a escrita e a leitura levariam à expansão do conhecimento e ao desenvolvimento de novas ideias”, redime-se Car. Ele dá outros exemplos da tecnologia alterando a maneira de pensar, entre eles o uso comum do relógio, a partir do século 14. Carr reproduz uma descrição, feita pelo historiador Lewis Munfor em Technics and Civilization: “o relógio desassociou o tempo dos eventos humanos, ajudando a criar a crença em um mundo independente e de sequências matematicamente medidas. O esqueleto abstrato de tempo dividido chegou a ser ponto de referência tanto para ação como movimento”. O surgimento da imprensa no século 15 também fomentou a idéia de que a mente humana seria bombardeada de informação e que o homem se tornaria mais preguiçoso intelectualmente. O que aconteceu em certa medida, mas o livro também fez surgir o chamado “século de ouro da sabedoria universal”. Gary Small e Costa e Silva também vão por essa linha. “Já estamos instalando uma série de equipamentos eletrônicos dentro do corpo para melhorar a saúde e a performance de alguns órgãos. Por que não admitir que amanhã a nossa inteligência seja uma simbiose entre a biológica e a da informática? Isso é perfeitamente viável e não significa um downgrade”, avaliou Costa e Silva. “A tecnologia pode acelerar o processo de aprendizagem, o lado negativo é que há pessoas viciadas em internet e o aumento dramático do diagnóstico de Déficit de Atenção”, declarou Gary Small. “Ela pode ajudar nosso cérebro a filtrar informação e a tomar decisões rápidas. Os que estarão em evidência nas próximas gerações serão aqueles que misturam a tecnologia à capacidade de relacionamento social”, arrisca Small.